quinta-feira, 3 de maio de 2018

Como a musica altera a tua vida. A Estranha Maravilha (Ou não...)


Artigo da CD Baby, Abril 2018.

Este artigo desmistifica o que é ser membro de uma banda, desmistifica factos como seres visto como um deus, que nunca terás que ter um trabalho das 9 as 5 ( No caso de Portugal, das 9 as 19 por menos de metade do dinheiro), e as quantidades de sexo, droga e copos que pensas que terás no teu dia a dia.

Em vez dessa mistificada glorificação, vamos falar aqui dos aspectos realisticos da vida numa banda nos dias de hoje, pode não parecer muito rock n roll, de mandar Tvs pela janela de Hoteis que não pagas, e ser mais para o lado de viveres numa carrinha toda partida a passar fome e exaustão.

Nota : Não estamos a querer fazer te desistir do teu sonho, apenas a verdade é que os baixos são mais do que os altos. Embora os altos sejam poucos, fazem te nunca querer desistir. Tal como uma droga. Para que não embarques numa viagem musical sem conheceres os factos.

Adaptado a PT. Resumido.

NOITES ( diz adeus ao lazer ).

Uma banda precisa de praticar, de acordo com o Kurt Cobain, pelo menos 5 vezes por semana, se esperam conseguir algo. Mas tambem se contradiz dizendo “Practica faz a perfeição, no entanto ninguém é perfeito, por isso, praticar para quê?).

Esta “maldição” significa que muitos sacrificios são feitos a troco de nada. Gostas de ir ao cinema sexta á noite? ENSAIO! Gostas do teu clube de leitura as quartas depois do cansativo trabalho? ENSAIO! És um Gamer? Não és não...ENSAIO! Sair á noite para conhecer alguém? Nope! Ensaio ou concerto, depois de uma noite mal dormida e um dia de trabalho exaustivo, só te apetece cama? Ensaio! Estudio com mil decibeis (exagerando, mas parecem).

Planear eventos, ir a outros concertos ver outras bandas, para eles te irem ver a ti, hoje em dia depende mais disso. Sou vos sincero, eu que ando nisto á mais de 20 anos, não consigo conceber sair do trabalho para ir ver outra banda. Por isso não critico quem não vai ver a minha.

MEDIA SOCIAL ( em todo o lado, sempre ).

Já te partiram a cabeça por não largares o telefone? O meu pai faz isso sempre ao jantar. Como se eu tivesse vida social “Não largas essa porcaria nem ao jantar?” “Pai, tenho quase 40 anos, deixa me em paz”...(Sim, prioridades. Tenta primeiro sair do ninho, e ter essa parte resolvida, ou estarás como eu, preso a eles para sempre...O inicio da vida devia de ser 1- emprego fixo, 2- namorada fixa 10 – musica e em vez disso era 1- musica, 2 – musica, 3 – musica, 4- namorada. Grande Erro colossal!).

Cria um mail e paginas de banda separadas do teu e-mail pessoal. Senão crias um caos que nem vida pessoal nem banda.

EXERCICIO (Ou um dia nem te aguentas de pé)

Pensamos que somos imortais quando somos novos. E nada nos poderá atingir. Quando chegarmos aquele disco de ouro, teremos quem nos trate. Errado.

Para que é que tens um amplificador de guitarra e coluna maior que a tua maquina de lavar? Se talvez uma vez na vida tens a chance de tocar num local onde usarás 15% da sua potencia? (sendo micado). É um dos maiores erros de guitarristas e baixistas. Po cenário? Um dia diz adeus ás costas e adeus a conseguir estar de pé a tocar, ou adeus a ter a sorte de arranjar um trabalho que não seja de pé. Sim, falo por experiencia própria de novo. Exercicio, e cuidado com os pesos.

NOVA COMUNIDADE ( e perder “amigos”).

Tens que achar meio chão, entre manter o foco nas ambições musicais e manter as relações á tua volta. Dar um passo atrás as vezes para manter a tua sanidade. Falas só de musica com quem não se interessa, essa pessoa desaparece. Gabas te muito da musica nova, da review a elogiar te, do artigo na revista, ninguem quer saber. O “Boa man, parabens!” vem forçado. É bom para ti. Mais ninguém quer saber. As pessoas querem coisas boas para elas. Não para os outros.

Ao cortares as actividades não musicais e gastares tudo com a musica, começas a criar uma distancia com os teus amigos e com a vida social. E as vezes, pensas “não faz mal, os verdadeiros amigos são a banda”, e um dia mais tarde descobres que não.Eles tinham uma vida antes sem ti, aturam te nos ensaios, mas o resto do drama não lhes diz respeito. Enquanto com as amizades não musicais podias passar noites a falar de tudo. Não deites isso fora. Infelizmente a coisa fica um bocado como empresa amigavel. A não ser que tenhas a sorte de ter banda com amigos de infancia que nunca mudou o line up. Essa chance tambem não deves de mandar embora, mesmo que apareçam musicos virtuosos a tocar 10 mil vezes melhor que esses teus amigos de infancia. Se se começam a dividir por gostarem de generos diferentes, criem um “meio chaõ” (middle ground) entre os generos. Não se separem. Amizades são raras e é triste passar uma vida sem ninguém com quem falar decadas seguidas.

Os verdadeiros amigos vão ficando. (Vão? Esta foi traduzida á letra, não concordo, experiencia própria, nenhum ficou. Amizades onde não se bebe nem um café em 10 anos, não faço falta, não são amizades, ou onde de repente por se ter mulher os amigos já não interessam, isso tambem é lixo).


A CABEÇA MUSICAL ( a maldição e a benção ).

Não acontece a todos. Mas quando aquela musica nova que achas brilhante, mas está incompleta, não te sai da cabeça até ao dia que a completes e graves e todos juntos a executem na perfeição? É horrivel! Chegas a estar na cama, confortavel, instrumentos guardados, e a ideia vem. E tens que sair para o frio, pegar no gravador e gravar. Estás escravo da situação. Por outro lado se ignoras e vais dormir, e no outro dia não te lembras de nada, vais ficar a pensar durante semanas “A musica perfeita que podia me ter catapultado para uma vida melhor pode ter caido no esquecimento”.

Que fazer? Eu tenho o telemovel sempre ao lado, em ultimo caso, como tenho insonias e o sono é precioso, canto a melodia e faço o ritmo com “beat box bocal” E no dia seguinte espero entender algo do que gravei, geralmente n ão, e já me cheguei a rir com a bebedeira do sono a tentar guardar notas ou riffs gravados quando o cerebro está desligado da boca. “Da daaaa. Ra ráa. Trum px!”. O que era isto? Era um riff?

O OLHO PUBLICO ( a julgar todos os teus gestos)

Mais cedo ou mais tarde, vais ter aquele videoclip, aquela musica passa na rádio, abres para aquela banda, “pões te lá fora”, na multidão. Serás utilizado para escrutinio publico. E sem motivos, terás pessoas que te conhecem que tu não conheces (odeio essa sensação) que já tem um perfil todo traçado sem te conhecer, prontas/os a atacar. E não sabes o que esperar disso. Meu conselho? Ignorar e continuar. Responder ou mostrar se triste ou querer provar algo, é como te mexeres em areia movediça. Afundas mais.

As pessoas até podem vir a ter inveja da vida que não conhecem e se conhecessem, jamais queriam fazer parte dela! Não iam aguentar a exaustão e a solidão.

As pessoas podem facilmente ter inveja do sucesso dos outros, e isto pode se manifestar com comentarios negativos sem nexo, podem até afectar a tua vida profissional “Ele é uma estrela de rock! Não precisa deste trabalho” pode vir de um chefe/supervisor frustrado que dedicou 2 horas aquela stratocaster desafinada, e inveja tu teres dedicado 20 anos e saberes os 4 instrumentos e teres pisado palcos (de graça) muitas vezes. (Posso afirmar que todas elas foram de graça, e ninguém vai acreditar).

Expor te pode ser assustador, mas não quer dizer que não o devas fazer.

Mesmo que obtenhas comentarios negativos a um concerto, ou a uma musica online, apenas pode querer dizer que não atingiste o teu publico alvo ou genero musical no qual irás florescer. Confiança acima de tudo.


VENDAS & MARKETING ( Inimigos da Criatividade )

Eu odeio numeros. Sempre odiei. São frios e calculistas. A musica é arte. Arte não são numeros.

Se não tentas obter algum lucro caso vejas a casa cheia, ter t-shirts e cds á venda no local, fazer calculos, ter stock, calcular a parte financeira da coisa como se fosse a empresa mais pequena do mundo, nunca sairás do inicio. Triste mas verdade. Quem quer ter que tratar da papelada e da parte da economia/contabilidade (quase nula) da banda, depois de um dia de trabalho e ensaios? A esta altura a cama é um sonho distante onde irás passar entre apenas 4 a 7 horas com sorte. Nestas alturas é que começas a pensar em desistir de tudo. “Faço musica para mim, que se lixe isto, compro esta placa de som, esta guitarra, um baixo...E de repente já estas outra vez no mesmo caminho, porque fizeste uma super musica, vais procurar pessoal e … Tal como voltar a uma droga.

Em suma, tem que se criar um modelo de negocio pequeno (boring!) para tentar manter a coisa a flutuar. Ei? Não nascemos no tempo das cassetes e dos cds! Hoje em dia toda a gente tem a tua musica de graça. E o Spotify não ajuda...Não te vende a musica, passa a de graça. Embora tu pagues para obter o “premium”, nós os musicos não recebemos nada. 0,0001 centimo por pessoa que ouve a musica. Posso vos dar um exemplo, em 1 ano fiz 1 euro. Spotify envia apenas singles, o resto que comprem os mp3. Esse é o meu conselho, que não fui a tempo de seguir.

MONEY ( O que é isso? )

Assim que te morde o bicho da banda, podes dizer adeus a maior parte dos teus ganhos.
Podes procurar em histórias de algumas (poucas) bandas que atingiram o sucesso, e verás que passam por muita miséria (ou isso ou ainda apareceram no tempo em que se vendiam discos). Tens tambem o mais normal aparecer por ai, bandas criadas (e isto é escondido dos fans) de familias ultra ricas que nem precisam de trabalhar, e ai dedicam o dia todo aos instrumentos que lhes foram comprados por esses mesmos familiares da industria petrolifera, religiosa ( igreja universal e afins) ou politica ou da TV. Nepotismo em forma bruta neste país.

Se vens de um background em que mal tens dinheiro, muito dificilmente, por mais talento que tenhas e insistencia, conseguiras. Hoje em dia as bandas e os musicos passaram a ser clientes. Pagas no facebook, no youtube. E outros que tentam comer de onde não há.

Qualquer o sortudo cachet que consigas, vai ser dividido entre comprar novo equipamento, manter o velho, pagar os ensaios, criar camisolas, cds, aquele pedal de efeito, microfone ou prato que não consegues viver sem desde a primeira vez que lhe meteste o olho. E há sempre algo que se parta, baquetes, palhetas, cordas.

E se tiveres sorte (duvido) sobrará para substituir os ténis (botas não, nem por isso, especialmente se forem New Rock! xD). Mas cada uma destas responsabilidades e sacrificios serão o testamento da tua dedicação, e servem para lembrar que tu estás a fazer algo muito maior e acima do conforto pessoal. Estás a imortalizar te. Um dia não estarás cá, mas a tua musica fica. E quem sabe, se existe mesmo reencarnação, não vás ouvir uma musica tua, no ano 2093, noutro corpo e descobrires que … Eras tu!

Baseado no artigo https://diymusician.cdbaby.com/musician-tips/how-being-in-a-band-changes-your-life/ tradução e adaptacção de Pedro D.C. Rodrigues”.